
Para o especialista em educação financeira Eduardo Amuri, precisamos incluir o dinheiro nas conversas do dia a dia para poder entendê-lo melhor
Você tem dinheiro sobrando ou sente falta dele? Seja qual for a sua situação, tem o costume de conversar sobre finanças com os familiares, na mesa de jantar, ou com os amigos, na mesa do bar? Pois esta familiaridade com o tema, de acordo com o especialista em educação financeira Eduardo Amuri, pode fazer toda a diferença no trato com o dinheiro, para quem está tranquilo em relação a ele ou chega a perder o sono pensando em como alcançá-lo.
“O dinheiro perpassa todas as áreas de nossa vida e é uma loucura a gente não falar sobre ele, pois quando falamos sobre um assunto com frequência, aprendemos sobre este assunto de maneira rápida e fácil, mas se a gente deixa esse assunto de lado, deixa de falar sobre, com certeza ele vai ganhando esse aspecto meio mítico, meio maluco, que ninguém entende muito bem como é que funciona”, defende Amuri, colunista do jornal Valor Econômico e autor dos livros “Dinheiro sem Medo” e “Finanças para Autônomos”.

Empreende – Como você se interessou pela educação financeira, como isso surgiu em sua caminhada profissional?
Eduardo Amuri – Sou formado em Ciência da Computação, trabalhava na área, e em um determinado momento percebi que não queria trabalhar com desenvolvimento de software, eu queria trabalhar diretamente com pessoas, e então busquei coisas que eu achava que fazia bem e poderia oferecer para os outros. Há nove anos me interessei pela psicologia econômica e como utilizar descobertas de pesquisas, que no geral vêm com uma linguagem acadêmica, na nossa vida prática, como fazer a ponte entre a psicologia econômica e a economia comportamental para a nossa vida. Começou de uma maneira muito informal, oferecendo para os amigos, eu experimentava com eles coisas que funcionavam para mim, e aí eu vi que isso funcionava para eles também, então a coisa evoluiu, um amigo foi indicando para o outro e em pouco tempo, menos de um ano, talvez, eu estava atendendo pessoas que eu não conhecia e começou a fazer sentido cobrar por este atendimento.
Empreende – Hoje, como são formatados seus projetos de atendimento em educação financeira?
Amuri – Meu trabalho vai tomando corpo nas mais diversas formas, passam por textos, publicados quinzenalmente no Valor, o site (www.amuri.com.br) onde publico muito conteúdo relacionado a inteligência financeira, os dois livros que lancei nos últimos dois anos pela editora Saraiva, e minha principal aposta hoje, em termos de escala, de produtividade, são dois programas de acompanhamento, que funcionam 100% on-line, bem individualizados e pensados de maneira contínua. Acredito muito que se a gente deseja provocar um impacto significativo em nossa vida financeira, é preciso fazer uma aposta em processos mais contínuos, não acredito em uma única palestra, numa aula que vai mudar a vida financeira de alguém.
Empreende – Como ensinar alguém a lidar com o próprio dinheiro?
Amuri – A principal mudança, capaz de gerar o maior impacto e alterar da maneira mais drástica possível a maneira como alguém lida com o dinheiro, se relaciona com o dinheiro, é falar sobre ele. O dinheiro hoje é um grande tabu, temos vergonha, ele é um assunto sujo, ele é um assunto que não se deve falar, ele é um assunto velado e isso é uma das causas desse estigma que o dinheiro tem. Por conta desse tabu, passamos a acreditar que não é um assunto do nosso dia a dia, que não é um assunto importante, que é um assunto somente para gente rica, para quem é muito bom com números, mas não tem nada disso, na verdade o dinheiro perpassa todas as áreas de nossa vida e é uma loucura a gente não falar sobre ele, pois quando falamos sobre um assunto com frequência, aprendemos sobre este assunto de maneira rápida e fácil, mas se a gente deixa esse assunto de lado, deixa de falar sobre, com certeza ele vai ganhando esse aspecto meio mítico, meio maluco, que ninguém entende muito bem como é que funciona. Um negócio meio de gente engravatada, gente do banco e tudo mais, então quando colocamos o assunto na mesa, ganhamos a chance de aprender muito facilmente sobre ele, e isso costuma ser muito bom.
Empreende – Você acredita que se joga muita responsabilidade sobre o indivíduo na questão do dinheiro, de como ele é usado? Como ficam as questões sociais nesta história, como baixos salários, juros abusivos, o poder da propaganda?
Amuri– A educação financeira é importantíssima, é vital para o bom funcionamento de uma sociedade, mas ela sozinha não vai resolver todas as mazelas sociais que a gente enfrenta, e é uma desculpa muito cômoda, é um posicionamento muito confortável para quem tem uma posição muito privilegiada. É muito cômodo falar que o pobre segue pobre porque não tem educação financeira. Isso é uma grande mentira, é uma falácia sem fim. Para o governo também é muito confortável falar que o pobre está lá porque não sabe gerir o dinheiro, ele não guarda o dinheiro dele e tudo mais. Com certeza não vamos resolver todos os problemas do país com educação financeira, seria muito bom se de fato o que faltasse fosse apenas isso, meu Deus, a gente estaria muito bem! Mas, com certeza, uma mudança estrutural, significativa, profunda, na nossa sociedade, auxiliaria a educação financeira como ferramenta, entre tantas outras.
Empreende – O Brasil vê aumentar, dia a dia, o número de pessoas levadas a uma carreira autônoma. Quais devem ser as principais preocupações deste perfil de trabalhador quando o assunto é o dinheiro?
Amuri – Estamos enfrentando um processo de sucateamento das condições de trabalho, que está sendo glamourosamente chamado de pejotização, mas é um sucateamento mesmo. Quando a gente passa a trabalhar como autônomo, passa a ter que gerir as entradas e as saídas, e isso tem uma diferença essencial. Uma pessoa assalariada gere somente o jeito que o dinheiro dela vai sair, ela não se preocupa em como ele vai entrar, já o autônomo lida com as duas pontas, e isso é muito complexo, existe uma série de medidas a serem tomadas, existe uma curva de aprendizado que não é curta, não é um aprendizado rápido, mas é muito necessário. O trabalhador autônomo vai ter que equilibrar muitos pratos, ele vai ter que lidar com a execução do trabalho dele, que é a parte mais básica, então se você é um jornalista, vai ter que se preocupar com o seu texto, sua narrativa e todo o resto, mas também vai ter que se preocupar em prospectar novos clientes, em gerir as notas fiscais e toda a parte burocrática que envolve uma empresa, que não é pouca, vai ter que gerenciar as suas reservas para a aposentadoria, vai ter que gerenciar uma série de outras questões que antes ficavam delegadas a outras pessoas e outras instituições, então com certeza sua vida financeira fica complexa e é necessário um movimento e uma preocupação de simplificação, caso contrário vai se atolar em controles e planilhas coloridas e não vai conseguir sair do lugar.
Mais importante que relatórios, planilhas, aplicativos, startups e fintechs que prometem soluções mirabolantes, é entendermos que temos que conseguir ter uma visão clara e simplificada da nossa vida financeira. Se tivermos mecanismos de controle e análise muito rebuscados, em especial para o profissional autônomo, vamos deixar de lado uma semana, depois deixar de lado mais uma semana, e depois de três semanas, não vai dar mais para correr atrás e a gente só vai deixar a coisa seguir, então tem que ser um processo muito simplificado de gestão. Você pode tentar trabalhar com perguntas simples. Por exemplo: Hoje eu tenho x reais na conta.
Quanto eu terei na conta daqui a uma semana? São perguntas simples que vão desencadear uma necessidade de planejamento um pouco mais detalhado. Uma coisa muito importante, que o autônomo eventualmente vai ter que chegar neste ponto, é quando ele separa as contas correntes. Ele separa a vida financeira pessoal da vida financeira profissional, quase como se tivesse uma empresa cujo único funcionário seja ele mesmo. Esta separação entre os fluxos financeiros é muito positiva, é muito importante e todo profissional autônomo deveria almejar chegar a esta posição.
Empreende – Mesmo para quem ganha pouco, é possível guardar dinheiro para uma reserva? Como iniciar este movimento?
Amuri – É muito complicado afirmar que todas as pessoas podem de fato iniciar uma reserva num momento tão delicado econômica e politicamente no nosso país, mas eu diria que sim, a maior parte das pessoas tem condições, as que não estão numa posição de extrema vulnerabilidade social têm condições de iniciar suas próprias reservas. É sempre mais interessante que o processo de formação de reserva aconteça de maneira automática e recorrente, então, em vez de guardar quando sobrar, a ideia é a formação de reserva numa conta fixa, de preferência que seja paga de maneira automática. A maior parte dos bancos oferece isso, a maior parte das fintechs oferece isso. É como se você pudesse formar a sua poupança considerando que todo dia 15 vão sair x reais de sua conta e vão para este investimento. É muito importante que sejam parcelas que caibam no seu bolso mesmo em um mês ruim, e que as transferências sejam feitas de maneira automática e recorrente, então a gente aproveita um dia em que está mais disposto a lidar com estas questões e já agenda as transferências do ano inteiro, e estas transferências vão acontecer, não importa a situação, não importa o humor, não importa o momento que a pessoa está enfrentando.
Por Angelo Davanço